Defensoria Pública ajuíza ação contra lei que proíbe participação de crianças em parada LGBTQIA+ em Betim

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Adeilson Andrade / Arquivo

A Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) ajuizou uma ação pedindo a suspensão cautelar dos efeitos da norma e a declaração de invalidade do projeto de lei aprovado pela Câmara Municipal de Betim, que prevê a “proibição de participação de crianças e adolescentes em Parada do Orgulho LGBTQIA+”. No documento, que foi protocolado nesta quarta-feira (8), a DPMG alega que o projeto apresenta múltiplos vícios de inconstitucionalidade.

A nova Lei Municipal foi aprovada pelos vereadores mesmo após o prefeito Vittorio Medioli ter acolhido a recomendação prévia da DPMG e vetado o Projeto de Lei n. 229/2023, reconhecendo as ofensas à Constituição Estadual e Federal apontadas pela Defensoria. Com a derrubada do veto do prefeito pela Câmara Municipal, foi necessário o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade pela DPMG junto ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), a fim de evitar violações de direitos e violências contra a comunidade LGBTQIA+.

De autoria do vereador Layon Silva, o Projeto de Lei n. 229/2023, convertido na Lei Municipal n. 7.377/2023, proíbe a participação de crianças e adolescentes em diversos eventos, listando de forma expressa, dentre aqueles considerados impróprios, a Parada do Orgulho LGBTQIA+. A norma também prevê a aplicação de “multa de até R$ 10 mil reais por hora de indevida exposição da criança ou adolescente” ao ambiente reputado inadequado. A responsabilidade é atribuída aos pais, responsáveis, bem como aos organizadores e patrocinadores do evento.

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O Projeto de Lei foi apresentado sob a justificativa de que a Parada do Orgulho LGBTQIA+ estimularia o “fim da inocência” de crianças e adolescentes e, supostamente, provocaria a “erotização precoce” do grupo infantojuvenil. Com isso, a Defensoria Pública aponta que a Lei Municipal tem origem numa visão preconceituosa contra uma minoria já vulnerabilizada e constantemente vítima de violências físicas, verbais e psicológicas no Brasil.

Na ação direta de inconstitucionalidade, a Defensoria Pública ressalta, ainda, que a Lei Municipal fere a liberdade de locomoção de crianças e adolescentes e impede a fruição do direito à plena convivência comunitária. Além disso, a norma representa censura a uma manifestação de cunho político e pacífico, caminhando em sentido contrário ao dever estatal de construir um ambiente social fundado no pluralismo, no respeito às diferenças, na formação cidadã e no combate a todas as formas de discriminação.

A legislação aprovada pela Câmara Municipal de Betim, segundo argumenta a DPMG, viola ainda a dignidade da pessoa humana e descumpre as obrigações de se construir uma sociedade livre, justa e solidária, aprofundando a LGBTfobia e a marginalização.

A Defensoria Pública defende, também, a existência de vícios de inconstitucionalidade formal, tendo em vista que a Lei Municipal teve origem por provocação de membro do Poder Legislativo, invadindo, então, a esfera de iniciativa privativa do Chefe do Executivo local, já que a norma impõe deveres e funções fiscalizatórias a órgãos da Administração Pública local.

A DPMG afirma, ainda, a existência de ofensa ao pacto federativo, uma vez que a norma regulamenta questões de proteção da infância e juventude, invadindo a competência legislativa da União, tema suficientemente regulamentado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e em relação ao qual não existem peculiaridades locais.

Segundo o defensor público Paulo Cesar Azevedo de Almeida, da Coordenadoria Estratégica de Tutela Coletiva e um dos autores da petição, o ordenamento jurídico brasileiro já reconhece a validade do casamento e da união estável entre pessoas do mesmo sexo, bem como admite a possibilidade de adoção de crianças e adolescentes por essas famílias legitimamente constituídas.

“Como admitir que essas pessoas, um dia órfãs, mas agora acolhidas com amor e afeto em um lar com dois pais ou duas mães, sejam impedidas de participar da Parada do Orgulho LGBTQIA+? Todas as famílias e todas as pessoas merecem igual valor e respeito”, argumenta Paulo Cesar Azevedo de Almeida.

Na visão do defensor público, essas manifestações sociais foram responsáveis por importantes conquistas de direitos ao longo da histórica. Censurar a realização desses eventos de conscientização sobre a diversidade apenas aprofunda o desconhecimento, a violência e a discriminação.