Audiência pública discute possíveis impactos ambientais de ferrovia em Igarapé, São Joaquim de Bicas e região

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Adeilson Andrade

A construção de uma ferrovia com 32 quilômetros de extensão, planejada para cortar municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte, tem gerado preocupação entre moradores de Igarapé, São Joaquim de Bicas, Itaúna e Mateus Leme. Os possíveis impactos ambientais e sociais do empreendimento foram debatidos em audiência pública da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), realizada nesta sexta-feira (28/3).

A reunião foi conduzida pelo presidente da comissão, deputado Tito Torres (PSD), a pedido da deputada Beatriz Cerqueira (PT). O projeto, de responsabilidade da Cedro Participações, prevê a construção da ferrovia sobre áreas sensíveis, como nascentes, cursos d’água e regiões de produção agrícola.

Segundo a geóloga Daniela Cordeiro, moradora de Igarapé, o traçado passa por cabeceiras de córregos preservados e unidades de conservação, como a Área de Proteção Especial da Bacia do Ribeirão Serra Azul e a Área de Preservação Ambiental de Igarapé. Ela afirma que, além da ferrovia, o projeto inclui dois pátios de rejeitos de minério, um deles a apenas 550 metros do Hospital 272 Joias, construído em homenagem às vítimas da tragédia de Brumadinho.

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“É um risco imenso de se perder muitos cursos d’água e muitas nascentes. É um projeto assassino, principalmente no momento de crise hídrica que a gente vive”, alertou Daniela.

A obra, voltada ao transporte de minério de ferro até o Porto de Itaguaí (RJ), deve ter início em 2029 e ser concluída em 2033, com operação prevista para o ano seguinte.

Riscos à produção agrícola e à saúde da população

Alexandre Netto / ALMG

Moradores também alertaram para os prejuízos à subsistência de agricultores da região, responsáveis por cerca de 40% da produção de hortaliças da RMBH. A advogada Isabella Rezende, da comunidade Alto da Boa Vista, em Mateus Leme, destacou que a ferrovia cortará propriedades produtivas há décadas.

“São pessoas que estão ali desde que nasceram e não sabem o que vão fazer se perderem seu meio de sustento”,  lamentou.

Isabella também citou os riscos à saúde devido à poeira de minério transportada pelos vagões, preocupação compartilhada por lideranças indígenas. A cacica Angohó (Célia Pereira), da Aldeia Katuramá, relatou que a população já enfrenta problemas respiratórios por causa do trânsito de caminhões de minério. O cacique Sucupira (Willian Souza), da Aldeia Naô Xohã, criticou a ausência de consulta aos povos indígenas, como exige a Convenção 169 da OIT.

Moradores e prefeituras alegam falta de informação

Alexandre Netto / ALMG

Conforme exposto na audiência, a Cedro Participações obteve autorização da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para o projeto entre julho e outubro de 2024, mas moradores e prefeituras alegam não terem sido informados.

“Tivemos notícia do projeto por meio de boatos que começaram a correr em novembro do ano passado”, disse Isabella Rezende.

Ela afirmou que, em fevereiro, a empresa realizou uma reunião com moradores de Mateus Leme, sem apresentar dados técnicos, apenas um vídeo institucional. A iniciativa foi apresentada como parte de um “Diagnóstico Rápido Participativo”, mas os moradores afirmam que não foram efetivamente consultados.

Joana Moraes, da Associação Comunitária do Bairro Fernão Dias, em Igarapé, reforçou a crítica: “As reuniões que têm sido feitas visam somente confundir mais a população. Não se informa trajeto, impactos, só se conta uma linda história”.

Prefeitos exigem mais transparência

O prefeito de Igarapé, Arnaldo Chaves, manifestou sua preocupação com o empreendimento. Foto: Alexandre Netto / ALMG

Os prefeitos de Mateus Leme e Igarapé relataram dificuldade para obter informações. Renilton Coelho, de Mateus Leme, afirmou que oficiou a empresa e não recebeu resposta. Arnaldo Chaves, de Igarapé, disse que precisou “correr atrás” das informações por conta própria. Ambos participaram de reuniões recentes com a empresa, nas quais, segundo eles, foram destacadas apenas promessas de geração de empregos e aumento de arrecadação.

Para a deputada Beatriz Cerqueira, as reuniões desta semana foram uma resposta à mobilização das comunidades e à convocação para a audiência. “Quando convidada pelo Poder Legislativo, a empresa não aparece. É uma estratégia de fazer reuniões a portas fechadas, sem dialogar com a população”, criticou.

Governo do Estado ainda não se manifestou

Representantes das secretarias estaduais de Meio Ambiente (Semad) e de Infraestrutura (Seinfra) afirmaram que ainda não analisaram o projeto, pois aguardam a entrega dos documentos exigidos para o licenciamento ambiental. Segundo o secretário-adjunto da Semad, Leonardo Monteiro Rodrigues, o processo poderá ser acompanhado pelo Portal EcoSistemas assim que iniciado.

Como encaminhamentos, a deputada Beatriz Cerqueira anunciou que será realizada uma visita técnica aos locais afetados pelo traçado e uma nova audiência pública com convite à Cedro Participações. Também serão enviados pedidos de informações e providências ao Ministério Público, à ANTT e às prefeituras envolvidas.